Doces despertam desejos compulsivos, mas não é o sabor que alimenta a gula. E, sim, uma vontade maior do que a razão. Biológica e poderosa ao ponto de se transformar em vício. O cérebro tem compulsão pela quantidade de calorias, e não pelo gosto doce. O açúcar parece irresistível porque é altamente calórico, e não por ser gostoso, preconiza uma nova teoria sobre a forma como nos alimentamos e engordamos.

Veja como reage o cérebro quando ingerimos calorias

Este seria o motivo de adoçantes não despertarem o mesmo apetite que o açúcar comum, por mais que seu sabor procure se aproximar do sabor do outro. O que conta não é o gosto, mas a quantidade de calorias. A tese é defendida pelo grupo do neurocientista Ivan de Araújo, que investiga como alimentos calóricos estimulam os centros de recompensa do cérebro.

— Mesmo sem perceber, buscamos calorias — afirma o pesquisador, que chefia o programa de Neurobiologia da Alimentação do Laboratório John B. Pierce, também de Yale.

Acumular calorias para o cérebro significa ter energia suficiente para coisas básicas, como a fertilidade e a reprodução. Calorias são energia e o corpo humano possui um sistema complexo, resultado da seleção natural. Seu papel é acumular a energia dos alimentos. A falta de comida acompanhou a Humanidade por milhares de anos. A abundância de alimentos é recente, insignificante em termos evolutivos.

— O resultado é que temos corpos não adaptados à vida contemporânea, em que a comida é abundante e extremamente calórica. Há todo um sistema biológico preparado para captar calorias. Ele surgiu porque na natureza a comida é escassa. Nosso estilo de vida mudou, mas o sistema continua lá — salienta Araújo.

O cientista e seu seu grupo descobriram que o açúcar ativa uma região do duodeno (parte do intestino delgado) que envia sinais específicos ao cérebro. O duodeno comunica aos centros de recompensa do cérebro — que nos proporcionam sentir prazer e saciedade — que um alimento é calórico. Os pesquisadores também descobriram que o cérebro tem um grupo específico de neurônios sensíveis ao açúcar. Ingerir açúcar deflagra a liberação de dopamina, que dá a sensação de prazer e faz com que desejemos ainda mais doces. É por isso que eles provocam satisfação. Quanto mais comemos, menos sensível o sistema se torna e mais açúcar é necessário para liberar dopamina.

O cérebro de uma pessoa que engorda funciona como o de dependentes em uma droga qualquer, que precisa cada vez mais desta para obter o mesmo prazer. Um ciclo vicioso que, para Araújo, só pode ser quebrado com reeducação alimentar. E, nos casos extremos, de obesidade severa, cirurgias bariátricas que reduzam o duodeno.

— Assim, menos calorias seriam captadas, e a pessoa mudaria o comportamento e passaria a querer menos alimentos engordativos — explica o cientista.

Ele começou o estudo com camundongos transgênicos modificados para não perceberem o sabor doce. Os camundongos que não sentem o gosto do doce, porém, são tão loucos por açúcar quanto os roedores comuns. E não se deixam enganar por adoçantes, ignoram o produto como o fazem com alimentos menos calóricos e dão preferência aos que têm açúcar.

— Adoçantes não tiveram o sucesso esperado porque não enganam o cérebro e não saciam nossa vontade de comer doces. Para nós, isso acontece porque não são calóricos — frisa Araújo.

Homem engordou o gato

O grupo de Araújo observou que, se é dado um alimento de baixa caloria a um animal obeso, ele o ignora. Já o roedor magro come. O obeso só vai comer o não calórico quando passar muito tempo sem comida e não tiver opção. Outra descoberta foi a de que carboidratos e açúcares em forma líquida ou cremosa são muito mais engordativos e viciantes.

— O líquido é absorvido quase que imediatamente. Provoca uma resposta cerebral mais potente. Refrigerantes, sorvetes, milk-shakes e até mesmo o insuspeito açaí levam a um consumo maior de calorias — afirma.

E adorar açúcar não é uma particularidade humana. O açúcar é precioso e raro na natureza. Como é energético, todos os animais, da mosca ao cachorro, apresentam compulsão por acumulá-lo. Há apenas uma exceção: os felinos.

— Os felinos não detectam o doce da mesma forma. São estritamente carnívoros, muito especializados em proteínas e têm dificuldade de metabolizar glicose — conta Araújo.

Entretanto, mesmo entre os felinos, a companhia humana teve impacto. O gato engordou com o homem. Os gatos domésticos são os únicos a apresentar uma mutação que os torna adoradores de gordura, isto é, lipídios. Garfield e seus iguais adoram mesmo lasanha. E isso, como para os humanos, só lhes causa problemas. O gato doméstico ama gordura e, se esta for farta, ele não só engorda, como se torna diabético e hipoglicêmico. Tal dono, tal gato.

Fonte: O Globo